Processo de tombamento, que deve ser iniciado no próximo dia 15, é o primeiro passo para criação de centro cultura onde viveu escritora.

Foi na década de 1920, diante da Praça Maciel Pinheiro, bairro da Boa Vista, que uma fantasia feita de restos de papel se tornou uma das felizes lembranças da infância de Clarice Lispector no Recife. Quase 100 anos depois do momento descrito no conto Restos de Carnaval, muito da aura que cercava o sobrado de número 387, onde viveu a escritora, se perdeu. Para resgatar a história da família Lispector e ravalorizar a praça, a Santa Casa de Misericórdia, atual proprietária do imóvel, dará entrada até o próximo dia 15 no tombamento do espaço. O processo é o primeiro passo para a restauração da casa e sua transformação em um memorial condizente com o valor da nobre ex-moradora. 
Batizado de Memorial Casa Lispector, o pré-projeto realizado pelo museólogo Nivaldo Vitorino propõe um museu diferente. No térreo, havá espaço para exposições temporárias, um café, loja de suvenires e uma exposição permanente de fotos da família no Recife. No segundo pavimento, cinco instalações com recursos multimídia farão uma releitura de contos de Clarice ligados ao Recife. Ao último andar ficará reservada a biblioteca, espaço de convivência e salas para oficinas de literatura e cinema. “Pretendemos tanger a obra de Clarice usando outras linguagens, proporcionando novos olhares sobre ela”, explica Nivaldo. 
A ideia de criar um espaço cultural partiu da sobrinha neta de Clarice, a cineasta Nicole Algranti. “O projeto foi imediatamente apoiado pela Diocese que retirou do imóvel o último inquilino ainda em 2011, deixando a casa livre para nós”, lembra Nicole. Desde então, ela vem procurando patrocínio para o projeto. Com o tombamento, que precisa ser solicitado pela Santa Casa, o financiamento do memorial será facilitado. “Estamos analisando o que é mais rápido e interessante para o projeto; se o tombo a nível municipal, estadual ou federal”, explica Rilane Dueire, superintendente jurítica da Santa Casa.
Para fechar o orçamento do memorial ainda precisa ser feita uma avaliação de restauração do imóvel. “Tivemos que lacrar as portas às pressas em junho do ano passado, quando manifestantes invadiram a casa e destruíram tudo, inclusive a escada que levava ao sótão mencionado em algumas obras de Clarice”, lamenta Rilane. A estátua de Clarice colocada na praça onde passou a infância também sofreu depredações e perdeu o abajur que compunha a obra. 
Reformada há pouco mais de um ano pelo custo de R$ 30 mil, a Praça Maciel Pinheiro passa por limpeza diária e conta com um posto fixo da Polícia Militar. “Mesmo com as melhorias, a gente passa por aqui todo dia, mas não para para observar. Acho que se tivesse um espaço diferente, além de movimento, ia fazer as pessoas valorizarem o lugar”, acredita a vendedora Girlane da Silva, 29 anos, que trabalha ao lado da antiga casa da família Lispector.