Os estados brasileiros e o Distrito Federal fecharam 2021 com R$ 124,1 bilhões de resultado primário, valor 91% maior do que em 2020. Especialistas consultados pela CNN apontam que o congelamento de despesas associado à alta do combustível, energia elétrica e commodities puxaram o resultado positivo.
Os dados foram analisados pela CNN, seguindo os procedimentos metodológicos do RREO em foco, do Tesouro Nacional, elaborado a partir dos dados das 27 unidades de federação, disponíveis no portal do Sistema de Informações Contábeis do Setor Público Brasileiro (Siconfi).
O resultado primário aponta qual foi o saldo das receitas menos as despesas não relacionadas aos juros. Os resultados são ponderados pela receita líquida porque assim é possível comparar os resultados proporcionalmente, levando em conta que alguns estados, como São Paulo e Rio de Janeiro, são mais ricos e possuem atividade econômica mais intensa do que outros, como Roraima e Amapá, que até 1988 eram territórios.
Os estados com maior resultado primário em relação à RCL foram Mato Grosso (23%) e São Paulo (21%). Os menores foram Piauí (1%) e Amazonas (3%). Em valores absolutos, os maiores foram São Paulo (R$ 41,8 bilhões) e Rio de Janeiro (R$ 14,7 bilhões), enquanto os menores foram Piauí (R$ 114 milhões) e Pará (R$ 498 milhões).
O resultado primário não foi o único indicador de que as finanças dos estados terminaram o ano melhor do que em 2020. A poupança corrente também aumentou. Este indicador, que pode ser chamado de “dinheiro em caixa”, indica a capacidade dos entes federativos realizarem investimentos com recursos próprios.
Com R$ 6,9 bilhões de poupança corrente, o Mato Grosso é o estado com maior capacidade de investimento proporcional à sua receita líquida (28%). Na outra ponta, ficou o Rio Grande do Norte, com 7% de poupança corrente em relação à RCL, ou R$ 822 milhões.
Em valores absolutos, o estado de São Paulo terminou o ano com maior valor disponível para investir, R$ 34 bilhões, equivalente a 18% de sua RCL.
A poupança corrente equivale ao valor das receitas correntes – que são as receitas provenientes de tributos, contribuições e patrimônios – menos as despesas correntes – gastos obrigatórios e com o funcionamento do serviço público.
O indicador deve ser avaliado em relação à receita corrente líquida (RCL, que é a somatória das receitas menos as transferências aos municípios). De acordo com o Tesouro Nacional, a poupança corrente indica a autonomia dos entes federativos para realizar investimentos com recursos próprios.
Segundo o sócio e economista-chefe da RPS Capital, Gabriel Barros, historicamente, os estados costumam fazer uma reversão em ano eleitoral, que é transformar a poupança em despesas, seja na forma de obras ou no aumento de salários de servidores. No entanto, ele alerta para a forma como essas sobras podem ser gastas.
“Algo para ficarmos atentos é nos estados que derem reajuste de salário ou fizerem concurso público. Tudo isso é despesa obrigatória. Então se o estado que já tem uma dívida alta aproveitar essa receita temporária para aumentar a despesa permanente pode dar problema no futuro”, explica Barros.
Para o economista e especialista em contas públicas Murilo Viana, a inflação de itens como os combustíveis e as commodities aumentaram a arrecadação dos estados, pois as alíquotas de tributos como o ICMS foram mantidas. Ao mesmo tempo, as despesas não aumentaram na mesma proporção, muito por conta da lei 173/2020.
Em 2020, foi aprovada a lei federal 173/2020. O texto exigia que estados e municípios não aumentassem salários de servidores e nem criassem novos empregos. Como contrapartida, receberiam transferências de recursos da União e poderiam renegociar dívidas.
“A folha de salário pesa demais para o estado e para o município”, afirma Viana. E no ambiente onde a inflação não foi pequena, se você não tem o repasse da inflação na remuneração dos servidores, você diminui muito um item bastante relevante de despesas”.
O resultado primário e a poupança corrente são apenas dois dos indicadores da saúde financeira das unidades federativas. Outros valores relevantes para a análise são a variação das receitas e despesas, os restos a pagar, a variação da dívida consolidada e a dependência de transferências da União.
Variação das receitas e despesas
Outro indicador que colabora para a compreensão da situação financeira dos estados é o quanto as receitas e despesas correntes aumentaram ou diminuíram em relação ao ano anterior. Esse dado confronta as arrecadações de tributos com as despesas obrigatórias.
Neste quesito, chamam atenção Amazonas, Amapá, Piauí, Rondônia e Roraima, que ao contrário da tendência nacional, tiveram crescimentos de despesas superiores aos crescimentos de receitas. Ou seja, destes estados, os gastos para a manutenção e funcionamento dos serviços públicos aumentou mais do que a arrecadação com impostos.
Para Gabriel Barros, o crescimento em 36% das receitas do Rio de Janeiro também chama a atenção, pois o estado recentemente precisou apresentar um novo plano para o Regime de Recuperação Fiscal. Para ele, esse crescimento tem relação com o aumento do preço do petróleo.
“Isso mostra que, no fundo, o resultado melhor do Rio não é porque ele fez o dever de casa, não é porque ele cortou gastos, pelo contrário, o estado perdeu as condições de continuar no regime de recuperação fiscal. Justamente porque não fez o corte de despesas, e essa melhora do resultado se deve totalmente ao aumento da receita. O que foi uma sorte. Tiveram sorte que o preço do petróleo subiu. E isso entregou esse resultado favorável pra eles”.
Em janeiro, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Secretaria do Tesouro Nacional (STN) deram pareceres contrários à homologação do novo plano de recuperação fiscal e o estado precisou apresentar alterações no plano. A decisão final sobre a situação do estado deve ser tomada nos próximos dias.
Para Barros, outros estados, como Mato Grosso e Goiás, tiveram resultados positivos puxados pelo preço das commodities. Conforme mostrado pela CNN, em setembro, as principais commodities agrícolas do Brasil tiveram aumentos de 18% a 74%.
“Não foi só petróleo. Teve milho, trigo, soja, minério de ferro e outros. Tudo isso explodiu de preço, coincidentemente foram estados que tiveram um crescimento muito forte da arrecadação”.
Dívidas
Quando os estados contratam serviços ou fazem compras, o pagamento não é imediato. A princípio a despesa é apenas prevista no orçamento, é o chamado empenho. Depois que o fornecedor finaliza o serviço, a despesa é considerada liquidada.
O termo pode gerar confusão, pois nesse caso a conta ainda não foi paga, é apenas um reconhecimento de que a dívida existe e o pagamento precisa ser programado. A última etapa é o pagamento em si, quando o dinheiro sai da conta do governo e entra na conta do fornecedor.
Essa distinção é importante para entendermos como funciona o orçamento. As dívidas liquidadas não pagas e os restos a pagar dizem respeito aos serviços já concluídos que o governo ainda não pagou ou que pagou parcialmente e ainda tem parcelas ou restos a serem quitados.
Nesta análise, usamos dois indicadores, as dívidas reconhecidas e não pagas e a variação da dívida. No primeiro, apontamos o quanto do que o estado tem em caixa já está comprometido com dívidas. Já a variação mostra se houve aumento ou redução das dívidas totais entre 1º de janeiro e 31 de dezembro de 2021.
A dívida consolidada aumentou em 13 estados ao longo de 2021, enquanto 14 registraram queda. Os maiores aumentos foram no Piauí (37%), Amapá (31%) e Rio Grande do Norte (20%). Tocantins (-11%) e Mato Grosso (-8%) foram os que tiveram maior redução da dívida em relação ao início de 2021.
Minas Gerais e Amapá são os estados que fecharam 2021 com mais dívidas a serem pagas, com 50% cada. Também se destacam Rio Grande do Sul (25%) e Alagoas (20%). Dos 27 entes federativos, 11 possuem restos a pagar e dívidas inferiores a 10% da receita total.
Dependência de transferências
Alguns estados são mais dependentes de transferências de recursos do Governo Federal, pois a arrecadação de receita própria por esses entes federativos não é suficiente para cobrir suas despesas e realizar investimentos. No entanto, a maioria deles dependem mais dos próprios recursos do que os transferidos pela união.
Das 27 unidades da federação, quatro dependeram mais de transferências da União do que dos recursos próprios em 2021: Acre (66%), Amapá (66%), Roraima (63%) e Maranhão (51%). Enquanto isso, os que mais utilizaram recursos próprios foram São Paulo (93%), Rio de Janeiro (91%) e Rio Grande do Sul (85%).
Petróleo e Energia
A receita corrente total dos estados ficou pouco acima do R$ 1 trilhão, em 2021, de acordo com os dados do RREO. Deste total, a arrecadação com tributos foi de R$ 744,2 bilhões, dos quais R$ 641 bilhões provém do ICMS, segundo informação extraída do Boletim de Arrecadação de Tributos Estaduais, divulgado pelo Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz).
A arrecadação dos estados com ICMS sobre petróleo, combustíveis e lubrificantes foi de R$ 109,5 bilhões, valor 36% maior do que os R$ 80,4 bilhões arrecadados em 2020.
O valor só é inferior ao arrecadado com comércio atacadista (R$ 117,8 bilhões) e varejo (R$ 70,6 bilhões), com aumentos de 18% e 22% em relação a 2020, respectivamente. O total arrecadado com energia elétrica foi de R$ 65 bilhões, 15% a mais do que em 2020.
Alguns estados aumentaram consideravelmente a arrecadação do tributo sobre os combustíveis. Em 2020, Roraima arrecadou R$ 2,1 milhões em ICMS sobre os combustíveis. Esse número dobrou e foi para R$ 4,3 milhões em 2021. Por conta do tamanho do estado, a cifra é pequena se comparada a outros. No Rio de Janeiro, o aumento foi de 93,8%, passando de R$ 4,4 bilhões arrecadados em 2020 para R$ 8,6 bilhões no ano passado.
Gabriel Barros e Murilo Viana destacam também o quanto esse aumento nos preços de combustíveis e energia colaborou para os aumentos de receita tributária e, consequentemente, para os bons números dos resultados primários e poupanças correntes dos estados.
“Com a inflação acelerando esses itens sobre os quais existem alíquotas de tributo a base de incidência acaba aumentando em valor monetário. Então a arrecadação acaba crescendo também”, afirma Viana.
“Os estados receberam auxílio do governo no combate ao coronavírus. A contrapartida foi não reajustar os salários dos servidores. Então a despesa ficou congelada”. Você teve o melhor dos mundos”, explica Barros. “A despesa do estado estava congelada e a receita cresceu de forma extraordinária. O resultado disso é essa poupança corrente positiva”.
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