Investigação diz que cortes são automutilação ou foram provocados com consentimento da vítima. Defesa insiste que houve ataque e diz que laudo confirma que a jovem não reagiu à agressão
BEATRIZ JUCÁ
São Paulo
Imagem do ferimento feito no corpo da vítima. REPRODUÇÃO/FACEBOOK |
A jovem que denunciou há duas semanas ter sido atacada e marcada com uma suástica por apoiadores de Jair Bolsonaro será indiciada sob suspeita de falso testemunho. Segundo a Polícia Civil do Rio Grande do Sul, onde ocorreu o caso há duas semanas, uma perícia apontou que os ferimentos no corpo da jovem foram provocados pela própria vítima ou por outra pessoa, mas com o seu consentimento. A defesa da jovem nega. E afirma que o laudo não encerra a investigação, pois aponta apenas que a jovem não reagiu à agressão, conforme ela mesma já havia relatado.
Segundo o laudo técnico do exame de corpo e delito realizado pela polícia, as lesões apresentam padrões que "demandaram cuidado na sua produção" e sua uniformidade dificilmente seria produzida se a vítima tivesse "preservada sua capacidade de reação, seja por medo, susto ou reflexo". O delegado Paulo Cesar Jardim, especialista em crimes neonazistas e responsável pelo caso, diz que o laudo é "absolutamente conclusivo" de que a jovem comunicou um falso crime ao fazer a denúncia.
A estudante de 19 anos afirmou ter sido agredida com socos e tido o corpo marcado com um símbolo semelhante a uma suástica por três homens um dia depois do primeiro turno eleitoral, enquanto circulava por uma rua de Porto Alegre com uma bandeira de arco-íris na mochila e vestindo uma camiseta com os dizeres #Elenão, slogan contrário ao candidato de extrema direita Jair Bolsonaro (PSL). Ela denunciou o caso à polícia no dia seguinte, quando fez também um exame de corpo e delito, mas decidiu não levar a denúncia adiante pelas consequências psicológicas do ataque que afirmou ter sofrido. "Ela estava bem nervosa e assustada e até hoje não se recuperou", diz a amiga que a incentivou a denunciar o caso, sem comentar as conclusões da investigação.
O laudo desse exame, divulgado na manhã desta quarta-feira (24), aponta que não foram encontradas na vítima "lesões na face ou nas mãos e nos antebraços que sejam características de autodefesa". Indica ainda que os cortes foram superficiais, estão localizados em "regiões do corpo facilmente acessíveis às mãos da própria vítima" e foram produzidos com "habilidade" e "cuidado". "Pode-se concluir que as lesões tenham sido produzidas cautelosamente, de modo a não causarem danos às camadas profundas da pele, provocando alterações que são apenas superficiais", atesta o laudo.
O delegado Paulo César Jardim afirma que a resistência da vítima em levar a denúncia adiante, a ausência de cortes mais profundos e a simetria do símbolo desenhado na pele da jovem levantou suspeitas. Agora, com o laudo, ele diz não ter dúvidas de que se trata de "autolesão". Apesar do caso ter repercutido por possíveis motivações políticas, Jardim diz que não existe hipótese de que a jovem tenha forjado o crime para prejudicar qualquer candidato. "Não existe essa hipótese. A moça na realidade tem problemas emocionais. Ela toma remédios muito fortes, faz tratamento psiquiátrico e está sendo acompanhada", afirma. Agora, informa o delegado, a estudante vai ser indiciada por falso testemunho.
A advogada Gabriela Souza, que representa a jovem, contesta as conclusões do delegado e diz que o teor do laudo "reafirma a convicção da defesa de que a jovem foi vítima de um ataque", já que não descarta que as lesões podem ter sido causadas por outro indivíduo, inclusive mediante incapacidade de defesa da vítima. "Isso apenas comprova o teor do depoimento da vítima, que não esboçou reação durante o ataque e sofreu estresse pós-traumático, situação que se mantém até o momento", afirmou em nota.
Ainda segundo a advogada, a defesa da vítima espera que as investigações continuem e que sejam apresentadas imagens de câmeras de segurança e ouvidos depoimentos de pessoas que teriam prestado auxílio à jovem atacada. O delegado Paulo César Jardim, porém, diz que a Polícia Civil trabalha com outras provas e que analisou imagens de 12 câmeras de segurança e conversou com mais de 20 pessoas no entorno de onde teria ocorrido o ataque, porém não conseguiu confirmar os fatos narrados pela estudante. "A investigação foi finalizada e encaminhada à Justiça", diz o delegado.
Muitos crimes e agressões com motivações políticas vêm sendo denunciados desde o primeiro turno das eleições. Em 10 dias, pelo menos duas pessoas foram assassinadas e outras 70 sofreram agressões por conta de seus posicionamentos políticos, de acordo com levantamento do Open Knowledge Brasil e da Agência Pública. Os dados mostram que em seis dos casos as vítimas foram apoiadores de Bolsonaro; as demais foram agredidas por pessoas favoráveis a ele.
0 Comentários