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“Estou no começo do meu
desespero/ e só vejo dois caminhos:/ ou viro doida ou santa.”
São versos de Adélia Prado,
retirados do poema “A serenata”. Narra a inquietude de uma mulher que imagina
que mais cedo ou mais tarde um homem virá arrebatá-la, logo ela que está
envelhecendo e está tomada pela indecisão – não sabe como receber um novo amor
não dispondo mais de juventude. E encerra: “De que modo vou abrir a janela, se
não for doida? Como a fecharei, se não for santa?”
Adélia é uma poeta danada de
boa. E perspicaz. Como pode uma mulher buscar uma definição exata para si mesma
estando em plena meia-idade, depois de já ter trilhado uma longa estrada onde
encontrou alegrias e desilusões, e tendo ainda mais estrada pela frente? Se ela
tiver coragem de passar por mais alegrias e desilusões – e a gente sabe como as
desilusões devastam – terá que ser meio doida. Se preferir se abster de emoções
fortes e apaziguar seu coração, então a santidade é a opção. Eu nem preciso
dizer o que penso sobre isso, preciso?
Mas vamos lá. Pra começo de
conversa, não acredito que haja uma única mulher no mundo que seja santa. Os
marmanjos devem estar de cabelo em pé: como assim, e a minha mãe??? Nem ela, caríssimos, nem
ela. Existe mulher cansada, que é outra coisa. Ela deu tanto azar em suas
relações, que desanimou. Ela ficou tão sem dinheiro de uns tempos pra cá, que
deixou de ter vaidade. Ela perdeu tanto a fé em dias melhores, que passou a se
contentar com dias medíocres. Guardou sua loucura em alguma gaveta e nem lembra
mais.
Santa mesmo, só Nossa
Senhora, mas, cá entre nós, não é uma doideira o modo como ela engravidou? (Não
se escandalize, não me mande e-mails, estou brin-can-do.)
Uma tarefa que dá para
ocupar uma vida, não é mesmo? Mas além disso, temos que ser independentes,
bonitas, ter filhos e fingir, às vezes, que somos santas, ajuizadas, responsáveis,
e que nunca, mas nunca, pensaremos em jogar tudo para o alto e embarcar num
navio pirata comandado pelo Johnny Depp, ou então virar loura e cafetina, sei
lá, diga aí uma fantasia secreta, sua imaginação deve ser melhor que a minha.
Eu só conheço mulher louca. Pense em qualquer uma que você conhece e me diga se
ela não tem ao menos três dessas qualificações: exagerada, dramática,
verborrágica, maníaca, fantasiosa, apaixonada, delirante. Pois então. Também é
louca. E fascinante.
Todas as mulheres estão dispostas a abrir a janela, não importa a idade que
tenham. Nossa insanidade tem nome: chama-se Vontade de Viver até a Última Gota.
Só as cansadas é que se recusam a levantar da cadeira para ver quem está
chamando lá fora. E santa, fica combinado, não existe. Uma mulher que só reze,
que tenha desistido dos prazeres da inquietude, que não deseje mais nada? Você
vai concordar comigo: só sendo louca de pedra.
Trecho do livro: Doidas e Santas - Martha Medeiros
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